quarta-feira, 8 de abril de 2009

texto injuntivo




Instruções para saber o teu ser

- estender o ouvido e as mãos
- tactear todas as manhãs
- avantajar o olhar
- presumir
- tresler
- amar
- dizer

Não trazemos instruções. Quem nos conhece aprende a conhecer-nos, ou nunca nos conhecerá. Vale a pena conhecer um ser. Pode levar uns minutos, pode levar uns dias, talvez semanas. Estes são os seres mais simples, ou os que entendemos mal, porque julgámos entender muito rapidamente. Damos o conhecimento por findo. Outros seres levamos uma vida inteira a conhecer e nunca os conhecemos bem. Esses são os seres que em geral nos acompanham, porque ainda nos faltam peças do puzzle. Até podemos abandonar o jogo, mas os seres continuam a estender à nossa frente um bosque denso e inexploradao que nos fascina. Adentramo-nos. Às vezes até nos perdemos dentro dos seres, sem sequer sabermos. Outras vezes é dentro de um ser que nos encontramos. Uma grata surpresa.
Chamam-lhes as nossas almas gémeas, ou algo assim.
Mas não trazemos instruções. Amar é uma forma de iliteracia perante um ser. Queremos aprender mais e mais sobre ele. Surpreendê-lo, onde sabemos tocá-lo. Reforçá-lo, quando o sentimos frágil. Perdoá-lo, onde lhe conhecemos uma fraqueza. Partilhar-lhe os pensamentos mais secretos, os mais incomunicáveis desejos. Mas não sabemos redigir as instruções. E às vezes não temos respostas.
Por isso sabemos que para os outros também podemos ser um mistério. Nunca saberemos em que ponto os nossos gestos permanecem inexplicáveis e, por mais que os expliquemos mais nos desvendamos nas nossas próprias fragilidades. E quantas vezes o amor fica no meio das instruções, como uma instrução por redigir, uma forma de iliteracia face a outro ser...