domingo, 24 de maio de 2009

estepe


depois da pradaria e antes do deserto vem a estepe. não se avistam já gramíneas altas, nem outros herbáceos dos prados. na estepe avistas a redonda orla da Terra. e tudo em teu redor te antecede. juntas o durante, o antes e o depois, nem te atreves a considerar o agora. parece-te que não existes na planura do horizonte, nem nunca exististe mais do que, como por exemplo, o solitario bizonte. quando estás na estepe sabes que podes não estar só. no deserto estás com a miragem do que és, a solidão maior.

estar contigo é como viver na estepe. um dia estás lá, misterioso e leve como um sol de estio; outro não estás, mas ainda por lá bailam os teus laivos de crepúsculo, um sol posto de cinza quente.

hoje é Domingo e a estepe é o próprio tempo, uma lacuna que brevemente se vai comprimir de novo e eu e tu teremos estado mais uma vez contíguos e calados. um destes dias, gostava de atravessar todos os prados que nos intercedem sem nos remover a distância. por ser Domingo, abri um vinho nascido das estepes. bebi-o só, de pensamento em ti. eu estou aqui e tu estás aí. quanto tempo medeia entre os dois lugares, quantos desertos nos separam, quantos desertos nos unem e em quantas estepes nos perdemos, na absoluta reclusão do ser?

se fôssemos animais da pradaria, suportaríamos a proliferação de seres, o pulular da fauna, o tagarelar dos entes?
Não, meu amor. Somos filhos da estepe e do rigor e da solidão mais seca extraímos um licor de cactos, mais doce que o próprio banal amor. por isso, talvez não seja possível remover coordenadas, nem meridianos. estaremos sempre no coração da terra. e a terra pulsará por nós, os seus férteis sonhos.

mas podias só uma vez, talvez hoje, quebrar alguns galhos que o último Inverno por aí deixou, por exemplo a tua voz, podia inundar o plácido leito de nuvens, fazê-las estremecer de ansiedade, entornar-lhes o riso e a carga de tanta sílaba contida. podíamos ser as nuvens do paraíso, vozes de algodão, beijos de pomba nos ouvidos. um destes dias, saberemos que podíamos ter sido.

Ah, a latitude do amor! Tão contente do que tem, tão perto do que ainda sobra de inquietude...
Negrito
até já