terça-feira, 24 de abril de 2007

alisar o meu mundo

desculpa se pousei o sonho no chão só por um instante. não leva tempo nenhum, olha, não vais dar por falta dele, eu vou só ali alisar o meu mundo, eu volto já num instantinho para ser leve e ave lenhadora, e lenho de luz ardente.

não me demoro neste estado de malmequer colhido abruptamente, uma flor nunca espera o corte, precisa de sentir de novo o caule forte e seguro, para prosseguir colhida. é só o tempo de me colocar numa jarra e beber a água restante para ir alisar o meu caminho.

não me imagines a lutar com moinhos, a minha demora é lúcida e destina-se a repor a paz no meu mundo, aquele que nunca quiseste conhecer, nem eu te infundo porque o sonho nunca é do mundo.

só o silêncio me pode serenar, se digo grito, se grito denuncio o que não posso denunciar e se proclamo a vida e os malmequeres estarei a fingir, e eu não finjo a poética da vida, a beleza imortal das coisas existe dentro, e agora para mim as coisas são meros adornos exteriores que o caos do meu jardim expulsou.

olha, não fiques preso à minha distância que é tão próxima. para que as flores voltem aos meus olhos eu tenho de mudar algo no mundo e o mundo é uma montanha que não muda sem que eu mude também.

olha, a minha proximidade é tão densa que a sentirás na nuca e nas maçãs do rosto, como um rubor, um encosto, não vires a página sem me deixares ir ali ao lado alisar o corpo para to devolver inteiro e inimputável para a mutuação do amor.

desculpa se tive de pousar o sonho devagarinho, para atender ao mundo que me pisa, uma e outra vez, porque sendo forte sou a mais frágil e não sei pisar ninguém.

desculpa se o sonho está agora do teu lado, passei-to para levares tu a candeia, só por um bocadinho, enquanto ato os sapatos e aliso o meu caminho. anda acende-me tu o sonho, só hoje, eu prometo que amanhã já terei tomado o banho lustral do esquecimento, a novidade virá cedo anunciar-nos que se abriu de novo o velho caminho de um amor que raramente tem por céu o relento... e será nesta e noutras noites reatado e preso mais fortemente.
só hoje eleva tu a chama e canta-me a ternura, mostra-me que a distância te imprime o abraço e que ele é forte, daqueles que sempre libertam as aves presas e as lançam de novo nos altos montes, anda, liberta-me de mim mesma, só hoje.