eu passaria a manhã inquieta, presa nas inquietas águas do meu corpo. saberia que o mundo estava à beira de me acontecer, dentro de um par de horas. antecipava-me às sensações e as sensações seriam secretas fontes de sorrisos. tudo tão fundo, que ninguém poderia atravessar a enigmática lâmina e perceber.
à hora exacta, menos uns minutos, já eu estaria junto ao rio, a acompanhar-lhe as voltas. lembraria o estreito limite que vai do impossível ao possível e havia de sentir a felicidade tão perto que acharia que mais uma vez me enganava. a felicidade não se anuncia, não se percebe, não se manifesta senão no momento em que nos ecoa por dentro, nave de uma catedral. mas então por que é que a espera me faria tão feliz, não precisando de mais do que estar ali.?teria vontade de parar as águas ao rio, para fazer a felicidade da antecipação da felicidade durar mais uns tempos, quereria adivinhar-te em mil silhuetas para me verter em pura palpitação do sangue e haveria de ruborizar outras mil vezes até saber que não eras ainda tu. mas seria feliz na espera.
e se enfim me abeirasses no cais, haveria de racionalizar todas as sensações, medidas no quartzo da pura sensibilidade e saberia falar-te delas com distinção. almoçávamos numa nau parada no cais. mas para nós seria uma viagem às ilhas encantadas da nossa realidade, tão feita de sinais ocultos, de palavras e discursos amplos como arvoredos, de emoções e silêncios vastíssimos, uma alfândega onde transitaríamos para o lado de cá do amor íntimo ,à flor da pele e do sorriso. o teu cabelo, dirias. sim, cresceu, passou o perigo. e tu andarias cá dentro, a sincopar-me o coração, golpe a golpe, na distância enfim tão próxima de ti!
boa noite, querido. sonho que sonho que sonhamos...