Sabes, meu amor
O toque das palavras
Quando retinem no amplo trajecto do ouvido
E a realidade as aninha e as abriga
Como pastoras sob a neve
Perante um abrigo na montanha ?
Eram assim as palavras que trincávamos outrora
Na funda fome que a terra nos abria
Como fusos penetrantes
Nas estrias do coração
Estendidas tensas pedras no musgo
Que nos envolvia
Éramos o encontro
E toda a imagética da tua vinda me possuía
Depois vi que não virias
Até eu deixei de ir
Pois que não me recebias
As minhas palavras tremiam sozinhas
Tiritavam sob os tensos lírios que mandava
Talvez as molhasses em melão e malvasia
E as sugasses como orvalho
Mas nada me dizias…
Sabes como considero as palavras
Já tão pisadas nas solas, tão caminhadas,
Sem te anunciarem na calçada, ao fundo,
À sombra dos meus dias?
Pontes sim, mas inúteis lugares de passagem
Para nunca te encontrar na outra margem
Sabes o que ainda te quero?
O suficiente para não te querer apenas estrela
O bastante para não te querer como um lugar
O muito que me impede de declinar-te
O tanto que me preserva o esquecimento
E assim o círio arde lá bem dentro
Só eu o vejo, ninguém mo pressente
Gosto quando gravas palavras nas árvores
E eu as beijo ternamente
Gosto de conhecer as palavras que me adornam
E de te beijar com o sorvo delas
voluptuosamente
Gosto de te aprofundar nas palavras
E de a tua pele saber a palavras ternas e meigas
E lembrar em algum ponto a palavra serpente
E a palavra pouco
Mas há dias, cada vez mais ultimamente
Em que acho as palavras todas tão iguais e tão inconsequentes…
Como se depois das palavras nada acontecesse
Nem tu me falares, nem eu te perceber
Fundamentalmente
Na raiz da rosa que pousas ao de leve no presente…
Meu amor… tu sabes, como te demoro no meu peito,
no dealbar da noite, no verso da tarde quente,
no fim de cada dia, na aguarela do ventre…
sabes como amar-te à luz do mundo seria nascer-te,
sabes como o sonho de tão grande, tem medo até de sonhar-se…
tu sabes e sentes. Mas como plantaremos um novo presente?
Até chegar a esperança, nalgum louco sino tocado pelos deuses,
deixa-me ficar assim, às vezes, imersa em ti, frágil e prudente
nas brumas do limbo a que pertences…
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