sábado, 2 de agosto de 2008

enamoramento

estou a ler um livro. o livro conta uma história. o amor está dentro da história como está dentro de nós. a história tem um homem que deseja uma mulher. os olhos dele são carvões negros e tristes, com pequenos lumes nas pupilas. são lumes ocasionais que ele esconde com rajadas de frieza. ela não percebe o que ele lhe esconde, nem o que ele lhe mostra. somente as suas mãos se chocam, os seus olhares se reclusam, as suas bocas falam sonâmbulas das palavras banais que pronunciam. no livro, o homem e a mulher discutem, coram, avançam, recuam. o desafio é já o enamoramento, mas eles não sabem ainda. odeiam-se tanto que só estão bem a digladiar palavras, como se a vida dependesse de uma vírgula na boca de cada um. o homem e a mulher não se conhecem bem. espreitam-se e estranham-se. ela, ferida, detesta homens. ele não quer depender de nenhuma mulher. a vida balança-os em cada página. sinto ao ler o livro, o sopro cálido da boca dele quando lhe mira a nuca, ávido do seu cheiro, da sua curva fina, da sua alvura. o choque no ombro, quando ocasionalmente se tocam, o trémulo sinal da boca, quando ela o admira e o teme, no seu olhar negreiro. estou a ler este livro e a ler a minha condição de mulher. a atracção, nos seus pequenos sinais. como eu gostaria que eu e tu tivéssemos podido sentir, quando sentimos. ou que viéssemos ainda a sentir o já sentido. ou que sentíssemos agora, sem saber o sentido do que sentíamos. não, a história não é a nossa. mas estou a gostar de ler o livro. faz-me sentir mais perto de ti. e depois o que resulta é uma doçura na pele, suavidade e alvoroço, algo inesperado que me faz pensar em ti. como se estivesses aqui. vou ler mais uma página. adormecerei feliz.