quinta-feira, 28 de agosto de 2008

canção sem tempo

sangue de lírio leve te pressente
solo de palavras lavrado fundo
estremece meu corpo
na pausa do vento

asas de um tempo que voou
em mim já o tempo engrandeceu
expandi-me em teu redor
como substância gasosa
que não chora
nem decanta luz

talvez neblina que encerra um ciclo
talvez fase de uma Lua mortiça
talvez lume de uma fogueira extinta
talvez montanha que sossobrou
talvez nem exista

mas não importa
resta-me na tua ausência uma fresta luminosa
que me garante o sol e a sílaba da rosa
resta-me a planície das cegonhas
o estio lascivo das cigarras
o Tejo e suas leves amarras

resta-me existir
com sangue de lírio
obreira de um quotidiano frio
frente à ponte da partida
face ao sol sitiado
a tua indistinta memória
alguém que me captou a essência
e a guardou num tubo de ensaio
alguém que me pôs numa nuvem
e depois soprou, para me ver voar mais longe...

e assim o meu tempo
não é ontem, nem amanhã
não é sequer hoje
só os meus versos me depreendem árvore,
plantada no mundo
sempre tão longe...

.


um beijo