não, não é assim.
sabes-me nas razões do corpo, mas não me conheces nos vincos engomados do pensamento. como podes ficar sentado a prefigurar a minha partida, se ando ainda a procurar chegar? por que será que te conformas com o que ainda não se confirmou? não, a minha partida é a minha forma de permanecer. afasto-me de ti para poder ficar. como um barco de pesca que receia voltar vazio e vai ficando, traineira de terra pousada por gaivotas... assim sou eu, amando a tua semântica onde quer que a veja, querendo mais próximo o teu pulso e os teus lábios mais nos meus. sabes que nem precisas de ter um nome, só tens de me endereçar o verso, o balbucio, a mensagem que voa a meio da saudade, a altas horas, a médio tempo, ou no momento em que nos corre ao corpo o calafrio. só tinhas de abrir a porta de manhã e atravessar a sombra branca dos beirais, tomar-me o pulso do dia, como te sentes hoje, onde te dói a solidão entre as gentes, que palavras novas hoje descobriste, quantas te aqueceram e quantas em rebuliço te aquietaram e preencheram. no mundo, onde hoje a espada e como a manejas, deixa, se der para o torto assaltamos um banco e fazemos um pique nique no horto antes de nos virem buscar para o lugar onde seremos ressuscitados como loucos. deixa querida, tens-me sempre a mim no final da linha, sempre aqui o meu ombro e o meu corpo. querida. e eu saberia que era querida pelo encosto das tuas palavras e seria eu e mais ninguém aquela que é querida no lugar triste da memória apagada. o mundo. não permaneço com as pessoas. fujo demais. não vês? puxas-me para esse outro mundo onde não estou, nem estás, onde não saberei nunca se estiveste, se estás, nem te ouvirei chamar-me "querida" na mensagem da tarde. o mundo onde me aguardam séria e segura e onde não me é conveniente vacilar. tenho de permanecer entre portas, não vês? em todos os lugares me aguardam, me beliscam e me despertam. tenho de ser. e tu podias ser também. qualquer coisa. o meu amigo e cúmplice, o meu confidente, o rouco amor das desoras sem dormir. mas serias tu. não outro vestido de ti. sejas tu quem fores.