carta dos meus lábios para os teus em murmúrios mudos embarcados no alto mar do adiado adeus. tu continuas, tu permaneces, tu navegas em cais de pedra preso aos meus ossos como um navio que fundeou e ali cedeu. tu és um pronome no léxico da minha solidão, não sei exactamente a tua morfologia e o teu tema, apenas te tenho todavia terno e trémulo, naquele lugar que me cedeste e eu cobri de cimento e cal eterna, como se fosse um túmulo. e aí se encerra o segredo e o assombro, não presumo que escavar o teu ser seja a solução, nem preconizo que rapar as defesas do meu possa tornar-nos mais próximos e plenos de paixão. rarificas-te, rarefaço-me, tornas-te raro e raramente visível, equívoco amor que me possuis e não te dizes. como pode uma mulher escapulir-se de si para dentro de outro e não voltar nunca, perdida no regresso entre as brumas de uma alta e imensa noite sem luz. navegar só esse regresso que não é ida, nem volta, nem retrocesso é um vaguear aceso e desperto, numa busca que não tem sentido porque o amor não tem de se esconder, deve agilizar o corpo e a palavra, ombrear a sensação, activar o desejo como se activa a denúncia do sentimento, com o olhar aberto ileso e indefeso, premente e inteiro. esta carta vai dos meus lábios para os teus como roço e razão do meu ser... assim como realmente sou, e como tu, apenas tu, me conheces, porque nem antes nem depois de ti houve um nome. nem durante. e isso assusta-me na voracidade de um sentir que me arde fundo até doer de tão só.
um beijo imenso