uma sombra sob o sol

nascemos sós e caminhamos para um lugar deserto
onde apenas a nossa voz aberta nos acresce
como um grito nu a lacerar a estepe

e porém se temos a voz branca e o olhar alegre
por que não havemos de abater o lume agreste
e rimar a vida com o sopro que nos reste?

e se temos o coração maior que boca
por que não havemos de deixar que este fale
até que o mundo indiferente e frio nos ouça?

se o amor nos enfeita ainda os olhos
por que os havemos de esconder
em penosos preâmbulos

algures entre o peito e o válido ombro
algures entre o medo e o magoado assombro?

gostava que chegasses um dia, antes de ser longe
e viesse destapado o teu viril assomo
com as duas mãos junto ao meu nome

como um rei que retomasse o seu reino
ou como um rumo que retomasse os passos
ou braços que achassem enfim um corpo

e que fosse eu o paço, eu o dossel, eu o regaço
e o reino fosse apenas uma sombra sob o sol...


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