terça-feira, 15 de julho de 2008

desertos estios


são estes estios que me precedem com uma espécie de palha iluminada, rastilho de uma vida: ontem inconformava-me e rebuscava na areia obscura a tua palavra. eis-me hoje imóvel, como a própria areia quando o vento se desarma. já não me coincide tudo, como dantes, agora separo os estratos e as esferas e sobreponho camadas sobre uma tela antiga. encontrar-te sem te atravessar foi passar para o lado de lá da busca, quando esclarecidas as pegadas estas se opõem na zona imprevista das dunas. todo o amor é encontro, um roçar de pronomes próximos, perturbados, pertencentes a uma intenção de comunicar a pele e o palato, a página aberta do dia. tu invertes-me na escala das atenções. abro um poema, como se fosse um pão de centeio, e fica-me um sorriso. pode ser. outro e outro, mas fico em silêncio a redimir o sentido do poema, com o vazio de um lugar de ausência entre linhas. não queria metáforas como espelhos que obsessivamente se repetem. como não queria ver avizinhar-se a morte. podes um destes dias inverter os céus, semear o mar de magníficas magnólias, meras fantasias que acharei melodiosas maresias, mas confessa que a poesia é uma corda que nos afixia e eu saberei que te maldizes pelo teu sangue de poeta. que a tua boca é uma sílaba cadente, como uma estrela que te rasga a tempos o que sentes, mas que te queima a fala. que te enganas com a profissão do amor como eu me engano com a tua atenção, eu que já poeta não sou, se alguma vez houve algum mistério no meu verso. gostava de te fazer companhia como um livro, confiar-te a minha roupa, para me guardares o banho ao fim do dia, desviar o curso da noite para a tua vida, que absorvia com a calidez com que ma contasses. serias pessoa e eu seria gente. assim, com um rastilho de neve no bolso, caminho no esteio de uma super-nova que aspira a uma compressão final esplêndida e magnífica. mas vou descalça sobre uma areia quente e aprazível, afinal conquistei o direito a morar no deserto sozinha. não tens culpa do amor nos ultrapassar, tanto foi que nos encheu a ampulheta. o tempo já não flui. estar aqui hoje ou não estar... tudo é permanecer. posso não te escrever, que ainda assim te escreverei. posso não te engalanar de flores, que todas as que roubo ao mundo são para ti. deixa estar assim, acabarei mesmo por me transformar no próprio frio de já não acreditar em nada, nada querer, mais do que o que tenho, serei o gelo da boca, o solfejo das vertentes glaciares e tudo será paz abraçada.
entretanto, ofereço-te as cores do deserto, tudo que faço te dedico, tudo que invoco te invoca, sou-te fiel como o mel mal sai da colmeia, memorizo-te e colecciono calmamente um puzzle de infinitas peças. mas não te busco na corrente impetuosa dos dias. deixa estar. tudo é poesia, mesmo a textura incoerente dos meus desenhos que me dizem mais que estas palavras que ardem por dentro, parecendo frias.

dorme bem, querido, talvez um dia...