inquieta-me a inquietude de me sentir tão calma e quieta no meu modo sereno de te ter. tornaste a distância entre nós tão profunda, na abstracção de tudo em ti, que eu venho à tona para te encontrar e fico quanto posso a conter o ar, na crista da noite, como peixe a saltar para a luz antes de voltar a mergulhar no seu claro mundo azul. aproxima-te mais do meu ouvido, guardo cantos de cabelos ao vento, cantos que nunca ouviste, porque te prenderam a um mastro invisível que te invisibiliza. pensa na distância da escrita, a escrita é distante e já não tem data precisa, é um momento cinzelado e esbelto, que algures na orla da memória ambos cinzelámos de mãos ternas no olhos e nas almas, momento esse que nos repete, talhado e modelado até atingirmos a forma explêndida e bela, a forma adelgaçada do amor. então repetimos a pele, a baixa pressão do ventre, a veia palpitante, a garganta seca, a seiva a correr célere entre pernas, a fundura de um só movimento, conjuntivo enlace do prazer, ondulação consentânea, presos na tensão que os corpos cavam, cheios de uma mesma urgência em cevar a carne e a pele até a carne e a pele se distenderem... cabemos exactamente dentro desse momento, apertados corpos adensados pela penumbra que nos intimatiza. são então formas de vida que nos gerem por dentro. não sabemos, não sabemos como o vórtice nos vence, a volúpia nos sobe ao centro do corpo, penso na proximidade da tua pele como num lugar quente e profundo, onde o meu cérebro se compreende na harmonização do amor. penso no toque da tua pele, como num choque que me desiza do córtex até ao ventre. e dexo-me delizar por ti, vertiginosamente... mas tens de chegar mais perto do meu ouvido, tens de vestir outro lugar que não o da abstracção, tens de me falar, para que te ouça a palavra e me pareça existires fora do lugar comum das fábulas... sobe comigo um degrau, iremos mais longe, onde o desejo nos levar, mas avança, o tempo que passou já está de novo a passar e o novo traz um novo busto, um novo momento nosso, cinzelado na cera dos devotos, no barro fresco, na porcelana mais preciosa. o nosso amor pode ser um cristal de fonte puríssima, o nosso amor pode ser sentido, no mais fundo lugar dos sentidos. fala-me ao ouvido, mesmo que a tua fala se transmude em palavras de vidro, cravadas na memória futura de um livro...
beijinho de boa noite. dorme com o calor do meu abraço. Eu? continuo a sonhar que sonho contigo...