sexta-feira, 20 de julho de 2007

flora esta



bebo a tarde devagar, como um filtro de amor. suavemente transpiro a suavidade da estação viva. o tempo retoma-me no exílio donde vim como se tivesse preambulado pela orla perigosa da floresta e regressasse agora ao seu coração intenso e protector. reentro-me na seiva da natureza, o meu sangue frutifica e regride à pertença de mim, o lugar prudente da distância que guardo. um chá de jasmim e as minhas memórias a flutuar como nenúfares floridos. dantes, os dias eram sempre dias de absoluto, porque tudo começava e terminava no meu lugar vazio com estátuas dentro. não havia sequer vazio, havia um lugar cheio de ar onde era possível respirar pelas porta das traseiras o prazer do oculto. tudo que não se conhece é culto e eu cultivei um mundo bronzeado e viril no altar da minha solidão. pensava que era mais fácil inventar do que procurar. habituei-me a inventar uma fuga e a desenhar sozinha os seus limites e a profundidade do encontro e um dia já não era eu que fugia, ausentara-me dentro da fuga que, levando-me, me deixava em bocados pelo caminho. sombra de sombra fui, penumbra que se refugia na penumbra e se revela apenas pela refracção íntima da matéria. hoje preciso sair de mim para escapar à zona aramadilhada das minhas etéreas noites terrenas no dorso do amor. talvez voltar para o exílio, queimar estes sapatos vagabundos peritos em sobrevoar as montanhas para me juntar ao amor, sou louca em esperar que ele venha ter comigo um dia ao cair da tarde. o amor já me disse que não. recordo o exílio como o território de uma outra forma de amar, mais sedentária e desprendida, nada se aguarda, nada se espera, nada traz consigo a urgência da vida. morrerei entre rosas e suspiros e odores de jasmim, sândalo e violeta, discreta como um lírio consumado na nostálgica sede que o amor me diz. flora esta é finda, a estação húmida da vida verte uma vontade enxuta. a sede que me orvalhava a pele, como uma maré morta, regride e nada me aprofunda como fenda entre palavras, só a saudade ainda me exulta. é tempo de guardar as tábuas de um messias por vir.