sábado, 2 de junho de 2007

reverberações


I

a noite vestiu a tua voz e tu vieste
toda a noite a flor florida da tua verve a tua voz a caber na noite
a ocupar todo o espaço da noite
a tua voz rasa na atenção do meu sono
a tua voz toda a noite me falou de cais partidos
e de pontes novas sobre futuros rios e risos
a noite toda a tua voz me sombreou
ao de leve os cílios num sorriso

II

a noite toda a tua boca junto à pele
delírio de lábios em lírio trouxe
as razões breves de tão fundo amor
a descer a rampa da noite em tumultuosos passos
ao virar da folha a noite em dardos
quem diria que o amor nos desce de rompante
entre algodão e linho e cresce tanto
e o amor vulnerável despe o seu suor
e lambe o lume que for bastante
até rasgar o silêncio e a dor

III

quem diria que a noite é em declive
a tua boca secreta hoje falou-me
das árvores plantadas a aguardar estrume
do crescimentos soberbo das raízes
profundas raízes sem nódulos à vista
talvez jazam junto aos mortos
na estratoesfera vigilante do teu mundo
e não se mostrem nos seus desígnios de talvez fruto
mistérios do teu corpo
andas pela noite como se mordesses o sono
para algemar na escuridão o que em nós mora
sem nada nos morrer antes que a claridade venha

IV

quem diria tanta lenha e tanto arbusto
nos dedos e na voz que é lume
tudo que me dizes tem um sabor álgido
mas não dói - purifica e une
tudo que me dizes tem a candura da rosa branca
são cogitações puras e brandas
numa frágil auréola de esperança

V

e como eu bebo esse orvalho que me cantas
como a tua voz me subiu hoje a espera
e rasou na pele o cio da Primavera
a folhagem inesperada fala devagar
é ouvi-la nos pinhais, tantos vagares
que cala - tantas pressas que sustenta
ah, meu amor toda esta noite o banho lustral
da tua voz em volta da cintura
e do meu seio, voz e boca e pele
tudo o mesmo admirável fértil mistério
o pão e o mel