segunda-feira, 11 de junho de 2007

faz-se tarde




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a tarde é uma represa
tarda na tarde a água solta

a água da fonte fresca
e eu entro pela tarde como por um lago
busco a limpidez das águas,
navego-as com os sentidos
recuso o pego fundo e escuro
os juncos que se me colam ao corpo
e busco
um areal a meio da tarde
um braço de água azul e permeável
da cor do mundo
antes da árvore e da serpente
e do conhecimento
terem vindo
esventrar o paraíso arável
acerco-me do teu olhar
está escuro na iris deserta
sou eu a sonhar que bato à tua porta
abraço-te como Eva sem maçã
como o colo
que te guardo em cada manhã
abraço-te e deixo que a corrente da ternura
te una a mim,
numa lagoa simples
marginanda por freixos e chorões

fragas e montes, abelhas flores e peixes
o paraíso de antes
como numa paisagem de Miró
antes de o sol se pôr nos nossos corpos
e nos nossos corações...
E digo devagarinho, não vá a natureza
trazer-nos mais aluviões:
nunca se faz tarde para trazer à tarde
esta líquida sombra de saudade
onde se faz tarde o amor...

Por uns tempos, o Deserto fica assim, aberto a quem o atravessar, depois será fechado, como todos os lugares que se cumpriram. Agradeço a quem passou e se manifestou e aos outros também. Gostei de aqui ter estado.

Posso dizer que aqui fui feliz. Até sempre.

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