sábado, 23 de junho de 2007

conhecer o amor


carta que te escrevo em viagem, depois de ter chegado e retornado ao ponto de onde a noite me partiu. esta noite mergulhei dentro de ti, não houve sonhos, houve uma vigília profunda dentro dos teus olhos. e soube-te longo e demorado como os dias estivais. desde que te conhecei que te vou desconhecendo, de dia para dia te capto como se fosses o primeiro olhar da primeira vez e me provocasses o primeiro arrepio da primeira vez. e esta noite o corpo falou-me, nas voltas do colchão, o corpo esteve sempre em ti. foi como se o sono se sentasse aos pés da cama com vontade de vir mas indeciso quanto à forma de me abraçar decididamente. em vez dele veio o teu abraço, o hálito que me esmagava o corpo.
e então soube que tu serás sempre uma primeira vez, como as manhãs já velhas e gastas , sempre iguais, me cumprem sempre num nascimento novo. soube que virás sempre de maneira diferente pelas escadas, pela janela, o jardim, a porta a passagem secreta, a horta... surpreender-me-ás sempre como as manhãs, os olhos lavados e limpos de pecado, tudo novo e original em ti para inaugurarmos a beleza do mundo lado a lado. os olhos do amor são parcimoniosos, prendem-se no belo, perdem-se na beleza, prendem-se na roseira, nos espinhos, são eles próprios rosas domingueiras, são eles a beleza.
toda a noite se me fecharam os olhos do amor, sem as pálpebras me obedecerem. toda a noite te conheci o que de dia desconheço. toda a noite decantei as águas que agitamos, e assim te fui conhecendo no desconhecido que há em ti. toda noite a roseira nos prendeu as almas, nos picou as veias e bebeu de nós o violeta profundo da vontade. recordo pouco do que bebi de dentro de ti. provavelmente não esgotei a doçura do teu sangue para te beber devagarinho, talvez mais tarde. não, não quero saber-te todo, quero o mistério a metamorfose, o sangue novo.
esta manhã desponta cega e simples. não sei quem conheci nem como e só sei conhecer o amor que conheci na pele, o que me deste com a tua palavra distante, que nem sequer ouvi, mas rasou o meu sonho. conheço-te no que desconheço e amo em ti o desconhecido mistério das mãos com que me prendes, me sondas, me retalhas, nestas insónias que sobram de um mar de sonhos.
sabes que neste deserto urbano, a tua vinda compraz o silêncio e a nostalgia dos lugares de pouca permanência. está sol, vesti uma roupa fresca depois do banho, sinto-me bem com o mundo e com a vida que tenho. nada trocaria em mim, nem uma ruga sequer, nem esta estranha forma de amar, por outro corpo de mulher, outra forma de vida, pois que é nesta que sou mais e mais rica. desconfio, por esta noite de amor, que mais belo do que ter-te é a sensação de te ter tido, a raridade do momento, entre a dor da ausência, a dor no linho do lençol, floresceu este bocado de sonho, a face esmeralda da vida, como uma rosa rara no deserto, renasci, sinto-me viva.


Boa tarde, meu amor!