sábado, 26 de maio de 2007

fim de noite


não há neste fim um princípio que possa ser fiável. a não ser o cansaço e a noite encerada, este deslizar para o vácuo, muito, muito ao longe, o sono em barco rio abaixo, a exaustão das palavras nas voltas loucas dos ventos, ah, a noite leva-me para onde tudo seja permanente, onde tudo que tenha voz e volume não corra o risco de ser nada de repente. lanço-me em cruzadas que me demandas e recusas, já fui contigo a todas as estações do sonho em busca muda, já tudo mudei que em mim havia para mudar. e mesmo assim, não sei quem és, nem como falas, embora durma presa ao teu pescoço e tudo em ti ao toque me desperte. hoje o dia venceu-me e tu não estavas, a vida vinga nos meus ossos a velha herança. trabalha, como sempre os teus trabalharam. verga-te, carrega que esse é o sangue da tua demora. eu sei. tu não entendes o chamamento que o corpo pede, sunâmbula e trôpega, vislumbro em ti a fuga a meio do horizonte e deixo que hoje tudo em ti se aparte, porque eu também vou, onde o silêncio e a imobilidade me afoguem. amanhã saberemos decantar a luminosa esfera em raios de puro néctar e tu sabes meu amor que a noite sempre nos espera. agora dá-me o teu peito e deixa que a minha fronte pouse em terra.