uma rosa tensa, uma rosa de chá no olhar que te aproxima da chama. entre as rosas o lume derrama o sangue morno, o sangue esquartejado de um querer sem volume. vaga vagarosa vem vindo a luz que nos entorna na noite como passageiros de um comboio sem licença para parar, embora não tenha percorrido mais do que uma légua até ao coração mais próximo. a noite de olhos esplêndidos, não nos visita, nem nos surpreende a respiração, a noite em rosas apenas se deixa esmagar devarinho, com o vagar de um corpo no lugar onde se faz presente a sua imponderável ausência.
é mais um bocado de mim que arranco à vida e teço em letras que te ornamentam, neste engano do olhar que finge com os dedos os recortes perfeitos de um afago e acaba, pela inércia do movimento, por ser mesmo um secreto afago. como quando te quero ver sentado sob uma bela tília e, em lugar da sombra da morte, a penumbra amena da existência sem sobressaltos. ou quando te leio nas flores de chá como a mais rara profecia, e suavíssimos recados te mando pelas nuvens. sabe hoje as razões de água e fogo entre os meus braços:
a minha ponte azul conquistei-a com a força dos meus olhos, as pontes erigem-se para o outro lado, mas o meu lado não tem margem, a minha ponte fica suspensa no teu mutismo, ignora-o, passa ao largo e vai em direcção ao céu da tua boca. cada palavra é uma viagem para a trsnsmutação da realidade em ouro, pelo toque de Midas. sei inventar-me um pagode preservado da luz do dia, um roseiral dentro de uma chávena de chá, como numa pintura em papel de arroz, palpitações na voz sem voz, secreções no corpo, sem corpo, sei alcançar a finitude de um lugar infinito e de lá desabrigar o silêncio, a neve o rubor e clarear o vasto opúsculo com a luz magnética das estrelas. sei que a realidade jamais terá o mesmo assomo, porque a realidade há muito que a contaminámos com o sonho.
sei por ti o corpo amargo, como uma amaranta seca o corpo amortalha-se aos cantos da boca, porque não descobriu esse portal da eterna beleza, a realidade invertida, o lugar entre laranjais e cerejeiras, escondido na iris perfeita de um sorriso. esta velha árvore da ira em que te plantas não é a minha. revolve raízes profíquas contra a esperança e mina o maravilhoso muro do alto sonho, o sonho consentâneo repartido em risca ao meio na crina das aves. ah, a rosa que me espanta o crivo do bordado, faço e desafaço o lume do abraço a leve dúvida do laço desatado, porque não te consigo elevar até onde a nuvem de neve branca dança e salva. salamandras loucas libertam línguas trémulas e eu na cela onde podias ser real, como um candeeiro de rua, a problematizar aqui o processo da lenta contaminação do sonho, em vez de me deitar contigo na pele nua de alma, até o corpo estalar no frágil encaixe de uma tela.