a noite foi um vendaval constante, mesmo no sonho o vendaval tocou-me, sempre o vento a vibrar no sangue, diz-se que há gente que enlouquece só de ouvir o vento, mas eu não. eu sonho quando o vento vem assim violento, quase volátil na escuridão do quarto. vi-me num voo vizinho do das andorinhas, era álacre e trôpego, em nidal fantasia. começávamos juntos, não sei o quê, mas começávamos a vida, como se jovens músculos nos empurrassem para a frente, para a ousadia de recomeçar a ser. voaram imagens que tinha seguras dantes, o vendaval voou-me todas as certezas, voaram-me os olhos para paisagens distantes, a cidade ficou mísera e pequena na sua toada de hip-hop cadenciada e pobre. não sei se desertei o meu modo de ser, se desertei a própria existência, se me desertei em mim, despojada de uma pele temperada pelo aço do tempo. sei que de repente tudo foi possível. não te posso contar como, desculpa não saber como foi, só sei que tudo se conjugou, como um verbo copulativo a noite introduziu-nos na realidade, a realidade trancou-nos no dia e o dia era solto e leve como só as manhãs de Abril sob o rosário do sol. não era uma realidade comezinha de partidas e regressos, era a realidade da permanência, o tempo que se une num mesmo espaço para receber dois corpos e as laranjeiras e as tílias eram o ruumo dos nossos passos. estava eu posta em sossego e tu, meu Pedro, no meu regaço, a cabeça pendia-te para mim, e como um gato eu atravassava o teu corpo pelos ombros, pelas pernas, pelo pescoço e tudo eram coisas de júbilo, mesmo o voo insensato dos moscardos e o sono, o sono que de súbito nos tomava a meio de uma carícia, a mão tombante, lassa a vida, leve o instante, o sono partia na mesma nau, até que um pássaro mais sibilante nos voltasse a pousar no passal onde as tílias eram mais fragrantes. o vento já não voltou em hausta de mudança, o vento permaneceu secreto como uma trança, transformou-se na brisa primavril que sentirás, no momento em que fechares os olhos e entrares no meu sonho, descalço e inocente para o primeiro baptismo da esperança. e se isto sonhei isto te ofereço, como se não tendo sido ainda mais fosse.
Bom dia!!!