Hoje não canto as vagas nem o azul do riso
Porque há noites em que a cor é a do silêncio
E nada que se diga apaga a voz do vento,
aquele que sopra de dentro em vozes abafadas
E em rajadas caladas nos beija a solidão
Hoje a noite é de distância, aquela que pomos
Entre nós e os astros entre nós e a escuridão
Tacteamos no escuro e o pensamento tem o
Rugir dos cães quando o abandono os toma
Ou a cor opaca dos planetas privados de sol
Mas o meu dia foi o mar verdejante dos pinhais
O meu dia foi de flores bebendo a chuva
Sorriso gaiatos em lençóis de neve e sol
As margaridas do prado, as giestas de luz,
As urzes serenas, as estevas banais
Tímidos sorrisos de Primavera afogueada
Que avistei mulher correndo desnudada
Corada de brisa, coberta de terra suspensa do sol
Ébria de chuva semeando a vida nos meus
Olhos que a trouxeram no caule deste verso
Mas a Primavera que vos trago é frágil
Precoce demais se já não inflama
Fresca demais para a cidade onde apodrece o betão
Luminosa em excesso para noites sem farol
Precoce demais porque é tarde para brilhar
Na noite apagada deste frio virtual…
29 de Fev. de 2004