a palavra a voz e o corpo

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era bom que só o corpo dissesse
nada mais fosse dito a não ser pelo corpo

não seriam nem as tardes, nem as flamas
nem os frios, nem os freios
nem as frágeis palavras os faróis dos rios

não serias sequer tu, nem seria o outro
antes do outro estarias tu e tu serias
a sombra do outro e o outro eras tu

a poesia era o corpo e não havia corpo
onde a poesia não crescesse até ao céu
por assim dizer o céu seria o corpo
assim leve de palavras ganhava asas de louco
e voava sozinho sem nada ter de seu

mas então tudo era dança vadia
ciganos descalços num ritmo só seu
facas frias espetadas no seio das almas
corpos latejantes acesos nas palmas
havia fogo na garganta e uma forja em cada gesto
mas as palavras ficavam esmagadas sob os passos

no amor era só a voz do corpo
só a voz do corpo ardia e se calava

porém as fogueiras extintas e as figueiras antigas
sem amor e fuga na garganta diriam tanto
e ninguém as ouviria

no amor é só a voz do corpo
e toda a poesia é corpo antes de ser palavra
nasce no colo antes de a voz a proclamar
semânticamente dor