quinta-feira, 26 de abril de 2007

herbário


pensa comigo o lugar ausente, dissolve-o na espera a três quartos de razão. mexe devagar com as pinças da tua mão marinha e joga no todo a areia da ampulheta onde moras. verás que o líquido adquire coloração rosácea e ebúrnea, como se fosse o botão do seio, a carnação viva da solidão, diluída nas veias motoras. saberás que a espera é uma função recíproca, matematicamente inserida na computação do tempo. imagina uma tenda batida ao vento, insonorizada, uma protecção de voz e de som, algo auricular que te cumpre ordenadamente dentro de ti. imagina o invólucro que adensa o esquecimento, algo assim indolor como uma ligadura de rolamentos à prova de som. deixa-te ficar na tenda atento às estrelas, são elas a única dor que aceitas, as estrelas pulsam-te ao longe, é uma dor suave. sabes que o encontro virá sem data certa, mas vem, não queiras saber quando, a tua tenda é a intemporalidade, não é um veículo obstinado em preencher o minuto seguinte. o amor não é o minuto seguinte, é o sopro permanente, a pétala irisada que se desprende e nos seca nos braços de um livro para adquirir uma nova forma de existência, seca é certo, mas perene. o amor pode ser uma pétala dessas, um herbário repleto de essência de flores, estilizações de braços, pernas, sexos, seios, sensações, serpentes do olhar. deixa este reino sempre aberto para te introduzires nele se te falta o minuto seguinte, fecha-te também dentro do livro e sê o herbário de ti mesmo, exercício de carnação da alma, verás que o líquido restante é a água do sangue que derramaste na espera. e a espera deixará de ser o tempo da demora, pois não há demora se não houver entre as folhas o intervalo do instante.

Bom dia!