domingo, 15 de abril de 2007

natureza morta




tenho o teu corpo atravessado no caminho
uma ave caída ainda viva eu velo
o teu amor a morrer-me pelo colo

estou sentada ao lado do teu corpo

mais ninguém te reclama nem na terra
nem em nenhum céu que seja outro
e tudo em ti me reverte porque teu

há silêncio neste quadro amalgamado
não sei onde o meu corpo começa
onde terá acabado

somos como uma natureza morta
pousada num canto do quadro
o quadro é a vida, nós somos apenas o recanto
e morta é a febre que nos juntou no retrato

só a pele em tinta descarnada se confunde
com o corpo adormecido
que tenho no meu colo atravessado

vão amparo o meu que nada vale
se nada em ti brilha por me ver

ah, que saudades do tempo
a moldura em que me punha era uma ilha
e tu um barco a chegar, sempre a chegar
de chapéu embriagado para os olhos
como se não nos conhecêssemos
tu chegavas sem chegar partindo em cada beijo

é um quadro que já não olho
tenho o teu corpo exangue no meu colo
e embalar-te é tudo o que desejo
ora dorme, meu amor, dorme
dentro de mim esta balada de silêncio...