por cega me tenho e cega caminho
e canto comigo o odre e o vinho
sozinha emissária de um amor em sal
sacudo as fileiras só mudos os gestos
por mim se atravessam doidos passarinhos
missão esta a minha de ser o fogacho
a chama e o lume a cinza e o lenho
desertos são estes onde só me avizinho
por escrava me afundo de areia me tenho
exíguos os deuses em sólios de arminho
adorno-os de sedas, louros e carinho
e eu só na cisterna das cobras fatais
suprimo o desgosto abafo os sinais
nunca me ouvirão carpir o destino
a minha alma cristal bizantino
tão frágil tão lívida no chão do caminho
que me pedem outros que saiba e que diga
se nada me diz coisa que eu entenda
nem as palavras moiras possíveis do vento
nem os mistérios e mãos que prontas
me estendem
e logo são postas nos bolsos a medo
ah, não entendo, não entendo
eu podia nascer todos os dias ao vencer o tempo
podia desatar as borboletas da garganta
ser o laranjal e a infanta, mas onde anda o mar
para percorrer com olhos longos de não ver
e só sentir e sentindo assim alar
as memorávais vagas dos sentidos?
nunca tive o frio antes já tido
e ontem lembrado num paço vazio
nunca quebrei um dia tão lacrado
selo este de um reino perdido
não renego o que não ouço e digo
mas ouço a boca calada em riste
são dores, são obras de amores?
presa à roda das palavras circulares
eu supliciada desprendo os cabelos tristes
e canto a barca bela ao longe avisto
a caravela andante do mistério que persiste .
.
Bom Sábado de Sol!