segunda-feira, 2 de abril de 2007

lume no olhar


corto a tarde a nado um vendaval de sentidos ensopados, ninguém no asfalto, só a minha pressa de fechar os elementos atrás de uma vidraça colada a ti. deixar os passos sumirem-se num eco, o silêncio possuído por tentáculos atrás da minha sombra aflita. chegar a casa e ficar presa à memória intermédia do teu olhar arguto, percorrido em estradas circulares. a travessia entre um ponto de partida e de chegada, o único com passagem franca para a vida. cheguei enfim onde me esperas. estás arrefecido em cinzas ensopadas, as mãos dispostas como frutos ofegantes das minhas. dizer-te como desaguei na tua música, trémula pela familiaridade do teu corpo, perdida no intimismo da tua voz. despir-me do dia com a urgência das notas musicais, um canto a arder nos gestos, à medida que o vestido desce de tom e o corpo sobe na cobiça dos olhos. deixar que me comproves tua no arrepio tímido da pele, o frio que trago é de ti, o frio que transportas na espera é meu. e ávido me sugas o desejo entre o calor dos seios, rosas recentes orvalhadas de chuva. os dentes escavam fomes lúcidas cegamente sentidas no afago da música, tanta chuva por dentro e o sangue seco nos gestos também encharcados, lentos na cadência da chuva. um fustigar dos corpos, o ondear das janelas, o quarto oscila ao vento, lanchas que deixamos vogar ao capricho dos dedos, o regate do tempo, ainda a tempo, no estarmos vivos habita já a nossa morte, vem neste excesso de chuva a cercar-nos os ossos, a depurar-nos para a eternidade na força de um sempre. aluvião de terras esta de nos ausentarmos docemente onde a chuva mais nos prende. escorrem entre os dedos as palavras murmuradas ao ouvido, escorrem gotículas à janela do teu ventre, escorre da pele o sal ávido de querer-te. explicar-te que o trânsito, a chuva, a cegueira da noite, tudo que me reteve só me exacerbou os sentidos e me despiu a pele ainda antes de chegar ao pé de ti. mergulhar a boca no teu sorriso com a voracidade das espécies predadoras, que consomem a frio a carne mutilada e sim, quero-te agora mesmo na periferia da minha pele, o gesto bastante do extenso e vagaroso percurso para pronoitares em mim. sempre é hoje agora apenas um instante, meu amor, ciciar-te pérolas nos ouvidos, entre notas perturbantes da música que ouço em ti...