sexta-feira, 30 de março de 2007

carta da manhã


carta da noite que o dia recebe no seu colo vagaroso e apaziguador. carta que a noite sempre me dita e eu contenho para que não grite. é esta a carta que ando a escrever nos intervalos vagos do pensamento para te dizer do lugar do vento na tua ausência, o vento como vaga que vem da tua boca para a minha. carta que te quer dizer dos sobressaltos da noite, as descidas profundas para o teu nome, os socalcos prazenteiros que se abrem ao sol de outono quando te penso perto. carta que te fala dos sulcos da pele, da vaga impressão de desamparo na falta do teu corpo. carta esta onde te tenciono falar do calor que me ruboriza ao saber-te do lado de lá a falar-me calmamente, ouvir a tua voz vagarosa e simples dizer-se e eu responder, deixar o serão envolver-nos na sua manta quente, é sempre inverno quando a noite chega e a tua presença me cresce dentro como um fogo a incinerar devagar o tempo. carta que se escreve na noite e se reacende pela manhã, ao despertar no limbo da tua imagem, doce e quente e perturbadoramente perto de ti. carta que me envolve num leito de infinita ternura e vontade de te enlaçar no fundo mais fundo do meu peito, carta que descobre o desejo ímpio no meu corpo se te penso perto, repito-me perto é sempre na polpa dos dedos, perto é sempre comigo, no fundo dos olhos, na funda pele, mesmo quando não te vejo. perto é ter-te teimosamente dentro. por isso esta carta que te estreita e encurta caminho para o olhar. esta carta que te pede permanência, uma palavra daí desse lugar que é o teu e pouco mais preciso para ser feliz. carta que te fala das urtigas dos caminhos e da aprendizagem despretenciosa deste caminhar pelo meio delas, sem me picar, uma filosofia do querer que vence o ser. a descoberta de uma verdade tão simples que ta quero transmitir para que a descubras também: a vontade de viver fortifica-se com os momentos que nos fazem mais inteiros porque alcançamos o patamar da pertença e sabemos torná-lo um lugar aprazível e seguro. por isso diz-me, porque quero saber-te e saborear contigo esta manhã de Março que agora parte. diz-me, como está hoje o mar dos teus olhos, que cores se juntam na baía e que cambiantes de iodo te vestem a íris da alma. diz-me dos novos mensageiros das manhãs, se ainda os há, da esperança deste mundo que bordejamos, de mais um dia nesta longa tapeçaria do nossa existência paralela, que, não importa como, se há-se um dia tornar só uma, diz-me se esta carta tem endereço e se continua.


Bom dia!