podia ser chuva miudinha como pérolas de orvalho
silêncio sideral, o fogo dos astros
podia ser a chegada de um bando de aves que viesse
em lugar da Primavera
ou um sopro de morte que passasse
podia ser uma música vinda de outras heras
para trazer um feixe de memórias
mas algo me tocou com as suas asas
pareceu-me que a minha solidão era mais funda
nesta noite de empenas tantas
nesta esfera fechada em que me esperas
quando a noite se acrescenta longa e inteira
mas foi só por um momento
existes, mas não te tenho, nem te entendo
existo, mas não entendes a rede de palavras
nem percebes os intervalos que se abrem
pouco sabes na tua arte de adivinhar as brumas
eu, nada sei, nem o teu nome, nem o teu rosto sequer
nem a forma como ris, ou se abraças outra mulher
só sei que as rimas de tão óbvias
ocupam o espaço todo do dizer
podia ter sido um palavra terna, ou um suspiro
de tanto que não digo
mas saiu uma trança grosseira e sem sentido
um verso sem asas nem suaves melodias
quando afinal o que sinto é que por vezes
não te sinto real e verdadeiro
mas mais a rara expressão de um mito
mas repousa em mim o teu olhar,
meu querido, dorme que eu velo hoje
para que o teu sono te leve ao lugar
onde tudo isto adquira o seu verdadeiro sentido