névoa, neblina, bruma, nevoeiro
algodão de fumo e de poeira
tudo se enovela em torno da cidade
abro a noite de par em par
e fumo um cigarro a plenos pulmões
misturo o fumo e a neblina
e sinto
que tudo ante mim mais desaparece
pergunto-me
sem perguntar
onde pára a realidade
a verdade exposta nos estendais
nada como a opacidade
para nos proteger do mundo
nas suas arcadas agudas
e finas
nos seus ângulos banais
a minha torre é uma luz
e essa luz nos altos cúmulos urbanos
é apenas um sinal de que parei aqui
nesta hora e neste lugar
e me registei no universo
como uma pequena luz acesa
entre os astros ocultos
altaneiros, rubros, originais
e este fumo que ora me sai
em vivas volutas, arabescos, círculos
sinais
mistura-se com a bruma
e logo se esvai
como esta escrita branca, translúcida e marginal
se prova, vinho branco, leve e ocasional
e logo se esquece sem memória posterior
sem eco que trespasse a humidade
a fina flora da noite oculta
no meu pequeno momento
em fim de vida, em fim de tarde
palavras ocas, inúteis
como se a vida fosse assim
também ela densa e branca
sem outras vozes
sem outros sinais
de mais lugares de esperança