não sei o que retém a semântica de cada ser e a impede de se formar em fluída forma, como quando tudo acontece em câmara lenta e a retina abarca e sintetiza a curva do olhar. não sei de interlocutores, ou receptores, nem de emissores sequer, quando tudo fica suspenso num céu de cristal, nem nunca entendi as distâncias codificadas em arcos e versos de altar. sou pela palavra pautada em linhas de papel e pausas planas no encadeamento do olhar. eu verto os dias, verto as noites, verto os minutos e os passos, eu verto a voz, eu verto o vento e a minha sombra, eu verto vésperas e veias, encostando à palavra ao coração como se fosse murmurar. é longo o léxico aberto à crua claridade de qualquer luz. bastava um limite, uma muralha, um parênteses maior, uma mordaça na fala e no falar e só nessa dimensão se ouviria então, plena como uma abóboda antiga, a ressonância da voz. então seria possível falar mais de amor e dedilhar incansavelmente uma guitarra lenta ao luar.