domingo, 1 de novembro de 2009


Há um momento na vida em que conseguimos erguer dentro de nós a força de uma muralha e a paz de uma catedral. Frase lapidar, podia até ter vindo de um citador popular, desses que circulam pela net e misturam autorias, ou confundem procedências. Se começo com ela o meu texto é porque foi ela que me desaquietou a escrita, estando eu tão alheada de racionalizações e farta de auto comiserações...

Estou rodeada pelos meus livros e tenho entre mãos os meus projectos. O meu jardim sempre me ocupa. Sou feliz como um jardineiro que jamais acaba a sua lida. E melhor que isso, não vejo outra alegria maior do que este estado de graça, apenas por me ver no centro do meu mundo, com um lugar amplo o bastante para me caber dentro a vida inteira e o devir.

Na verdade, esta noite não sairia de casa, nem amanhã, nem no dia seguinte. Podia não lidar com (muita) gente. Dispensava convívios e paródias. Ficava no meu mutismo quase autismo, a construir ruas e ruelas e a desenhar os meus estemas... as edições que tive, o meu manuscrito inconcluso, a minha lida produtiva, já notoriamente inútil e porém tão verdadeira. O meu jardim morrerá, sem que uma só flor me recorde, mas a sua exuberância compensar-me-á de qualquer ocultação do meu nome. Descobri que só o trabalho me justifica o tempo e as coisas que a vida me negou. A solidão do meu estudo dá-me paz. As pessoas inquietam-me. Para que a minha paz seja imensa, a muralha sobe. No meu círculo estão apenas os meus muito próximos. Os que não se assustam nem com o silêncio da minha voz, nem com a altura da muralha. Para eles vai o meu abraço imenso, toda a força do meu ser, mesmo sabendo que as nossas vidas são dois segmentos de recta, paralelos, orientados para um ponto só alcançável a dois na confluência de um possível infinito.