
acordo quando o dia me convida, despindo uma noite de sonhos duros ,daqueles que o trabalho nos produz, quando nos é garra e nos conduz a rotina.
o dia é feliz, parece solfejar no bairro um novo acorde e uma laranja forte presa ao céu dardeja sobre o bairro gomos brilhantes de luz. as minhas janelas abrem-se a poente e a nascente. tenho sorte, a casa é um dédalo de divisões que corre o prédio em meia lua. nunca me falta o sol. tenho de fechar as janelas, para não me obscurecerem a vista, sensível que é à luz excessiva. enquanto tomo o café, vou desembrulhado o dia como uma prenda nova, prontinha a abrir.
desde logo o teu sorriso, a prata das manhãs, depois o beijo do sol, ao estender a roupa e agora... a verdadeira liberdade que consiste em poder optar pelo não fazer nada... ou fazer tudo, um bocadinho de cada coisa que a rotina sempre nos proíbe.
ontem descobri que estou geneticamente e socialmente programada para trabalhar. era Domingo e eu passei-o a bulir sempre no mesmo lugar: os projectos mais ambiciosos que em tempo normal não consigo realizar, os trabalhos de investigação que vou acumulando, os desafios que ponho a mim própria e... tudo absorve, tudo me embrulha, o tempo envolve-me e só peço que encurte, para poder terminar o que começo. mas isso nada tem de estranho. o estranho é que me apercebi que trabalhava a um ritmo quase frenético, como se tivesse prazos inadiávais e vencer no dia seguinte... pois! é o hábito de concluir ao Domingo o trabalho que segunda de manhã tem de estar pronto e montado, alinhado, linkado, preparado para ir para o ar, como o noticiário das nove!
quantos dias levarei a libertar-me? o tempo de tudo voltar a começar... quase não vale a pena perder a pedalada!
somos seres muito estranhos, nós. se um dia perco o intelecto, como perdi a capacidade de sonhar e de produzir beleza, que me restará?
para já, estás tu. e não vejo a quem mais possa interessar o meu relato, nem quem possa melhor que tu compreendê-lo!
vou ficando por aqui... a estrada também me assusta. é como um bosque de animais velozes, cegos e ensurdecidos pela pressa. mais formas de rotina. viajar para um lugar na mesma altura do ano, também é uma forma de rotina.
e hoje, para não cumprir rotinas, vou dedicar-me à gastronomia. a arte da cozinha é uma outra forma de fazer sublimar a poesia... e a única rotina que me agrada, és tu, presença viva.
um beijo para ti
polvilhado de farinha