
estou sentada na noite
uma noite qualquer escura e lustrosa
daquelas noites que se pressentem
silenciosas
nos catres e nas casamatas
nas selas, nas pedras dos claustros,
nas arcadas de uma cidade sem fala
nas ameias desertas de fantasmas
tombados todos como muralhas
na aluvião dos séculos
estou sentada na mão do destino
a sua vértebra presa
na noite onde nos ferimos
como se deslizasse para dentro
de uma massa de estrelas
estou a descer para a noite secreta
a concavidade do ventre
na terra aberta
estou sentada no chão de gume
lage fria e hirta pedra, geada inerte
névoa profunda, afluente
onde tudo se amotina
e numa só voz,
tudo se consuma, tanto a perda
como a jura, ou a vinda
e o regresso, a fuga e tudo
que no amor perdido
há de inverso...
estou sentada
na mesma paz que me ocorre
ao pensar em noites como esta
quando não entendo a névoa
mas entendo o seu rumor...