domingo, 12 de outubro de 2008

escala de silêncio



ganha-se pouco a pouco o prazer de descrever laboriosamente a noite e a circunstância, como quando nada mais nos resta do que registar a cronologia dos sons e das impressões. impressões que não são já as da pele, nem as do sangue, mas de uma espécie de sensibilidade desapaixonada sensível aos mil e um tipos de silêncio que a noite murmura. numa escala de silêncios, consigo ouvir o fundo pacífico da noite e, na sua íntima pureza, sinto-me livre.

como quando o barco rasa o recife, também eu raso a tua presença, mareando para longe a cada toque. e no fundo da minha doce ravina de solidão, ainda me vem à boca o teu nome, uma proposição só, uma elevação do sangue, sem pressa de fluir, já amansado, mas férvido no cume vulcânico do monte.


tinha de ser assim, a partida das naus que nos suplantam, a cota rasgada e chamejante, uma luta que nem veio a encetar-se, mas nos ocupou os restantes anos que nos vieram, ao fim de tanta espera no casulo vazio. aninhei-me num espaço que escavei, a tanto custo. depois transbordei-te e povoei-te com a fervura das palavras. e tudo isto foi antes, muito antes de te crescerem os recifes em redor e a baía sem mim, e eu com tanta água para entrar...

tinha de ser assim, a partida das naus. uma forma de ficar barra fora, estando dentro do mesmo mar já navegado. tudo, meu amor, me é tão improvável e distante. menos o pensar-te numa escala de silêncio rente aos recifes. nada dói, mas tudo cede o lugar, melancolicamente, a uma paz derramada no olhar, como se olhando nada mais me tivesse ficado. agora e antes, tu, tu para sempre.