carta de um deserto apaziguado, onde ainda te escrevo dunas e dunas de grãos perdidos que não lês, onde ainda te resumo o meu corpo com a estranha mudez do silêncio, onde só o silêncio se lê.
onde ainda sei embalar versos como se te embalasse a ti. onde te respiro como neblina que limpa e enche os pulmões, onde a certeza de me existires enche mil solidões. mas, porque me não lês, avanço a carta, estranha missiva que me reverterá em forma de eco, poupando assim os passos de te procurar no vazio de um quarto emparedado.
repara que já ninguém escreve cartas de amor. talvez já não sintam amor, ou se compadeçam de si mesmos e se poupem da vulnerabilidade de escrevê-las. mas eu continuo na liça pueril de viver contigo um pouco da vida que nos juntou. a mesma que acabaria por nos separar. repara como a verdade das cartas de amor me transparece na tremura dos dedos que é tão só a tremura dos lábios? mas eu escrevo. e o quarto assim, sem ar, nem gente.... está húmido e escorre ausência pelo filtro das paredes. mas eu escrevo para encher de palavras os recantos do medo. não entres se me temes a verdade da fala.
porque já ninguém despe o que sente sem o véu de atavios desviantes. os quartos onde a palavra se estende, como mulher desnudada no advento do amor, são lugares de memória escondidos em arquétipos da memória conjuntiva. insisto que venho nua na palavra, quando entreabro a porta a meio da duna e te falo de amor. o leito em linho outrora liso e luminoso numa sintaxe feita de sobressaltos, como se abrigasse ainda o teu calor. nua te digo e vulnerável que o meu amor poderia encher o vazio das paredes até a casa se desvanecer como em sonhos, quando agarramos a sensação e lutamos em vão para a permanecer e ao dizê-lo é como se te resgastasse as noites todas de silêncio que nos ofertámos entre dentes. sem sabermos. sem querermos. sem podermos?
não importa. hoje a noite tem um semblante animoso e as palavras tomaram coragem, antes dos gestos que se recatam, ruborosos. ter-te nos meus braços é um subtil gesto que me ouso. de olhos fechados. com a volúpia a encher a voz, pronta a disparar num poema de nós, lascivo e lento, entre o audível e o que se passa apenas dentro, uma espécie de pregão dos tempos, onde outros antes estiveram, o cicio, o tic tac de um relógio a ecoar por dentro, o fluxo, enfim a veia aberta e o silvo a semear com um gemido a mortalha do silêncio.
amanhã, amanhã a carta segue, ou outro dia talvez, a carta agora é um livro permanente, já não traz urgência no selo, nem o carmim dos lábios que a selaram. virá quando vier e ninguém se lembrará de lhe reclamar a data e a pontualidade. mas eu quero que nada me esqueça, nenhum pormenor me falhe, nenhum sentimento fique excluído. e sobretudo quero meter a meio da carta uma pétala de rosa ainda em viço, sinal do meu amor desperdiçado, cativo, arrancado de dentro, mas intacto, veludo dos meus lábios vadios sobre a tua pele ainda quente. dorme bem, meu amor, num sonho que juntos nos conjugue como sempre...
onde ainda sei embalar versos como se te embalasse a ti. onde te respiro como neblina que limpa e enche os pulmões, onde a certeza de me existires enche mil solidões. mas, porque me não lês, avanço a carta, estranha missiva que me reverterá em forma de eco, poupando assim os passos de te procurar no vazio de um quarto emparedado.
repara que já ninguém escreve cartas de amor. talvez já não sintam amor, ou se compadeçam de si mesmos e se poupem da vulnerabilidade de escrevê-las. mas eu continuo na liça pueril de viver contigo um pouco da vida que nos juntou. a mesma que acabaria por nos separar. repara como a verdade das cartas de amor me transparece na tremura dos dedos que é tão só a tremura dos lábios? mas eu escrevo. e o quarto assim, sem ar, nem gente.... está húmido e escorre ausência pelo filtro das paredes. mas eu escrevo para encher de palavras os recantos do medo. não entres se me temes a verdade da fala.
porque já ninguém despe o que sente sem o véu de atavios desviantes. os quartos onde a palavra se estende, como mulher desnudada no advento do amor, são lugares de memória escondidos em arquétipos da memória conjuntiva. insisto que venho nua na palavra, quando entreabro a porta a meio da duna e te falo de amor. o leito em linho outrora liso e luminoso numa sintaxe feita de sobressaltos, como se abrigasse ainda o teu calor. nua te digo e vulnerável que o meu amor poderia encher o vazio das paredes até a casa se desvanecer como em sonhos, quando agarramos a sensação e lutamos em vão para a permanecer e ao dizê-lo é como se te resgastasse as noites todas de silêncio que nos ofertámos entre dentes. sem sabermos. sem querermos. sem podermos?
não importa. hoje a noite tem um semblante animoso e as palavras tomaram coragem, antes dos gestos que se recatam, ruborosos. ter-te nos meus braços é um subtil gesto que me ouso. de olhos fechados. com a volúpia a encher a voz, pronta a disparar num poema de nós, lascivo e lento, entre o audível e o que se passa apenas dentro, uma espécie de pregão dos tempos, onde outros antes estiveram, o cicio, o tic tac de um relógio a ecoar por dentro, o fluxo, enfim a veia aberta e o silvo a semear com um gemido a mortalha do silêncio.
amanhã, amanhã a carta segue, ou outro dia talvez, a carta agora é um livro permanente, já não traz urgência no selo, nem o carmim dos lábios que a selaram. virá quando vier e ninguém se lembrará de lhe reclamar a data e a pontualidade. mas eu quero que nada me esqueça, nenhum pormenor me falhe, nenhum sentimento fique excluído. e sobretudo quero meter a meio da carta uma pétala de rosa ainda em viço, sinal do meu amor desperdiçado, cativo, arrancado de dentro, mas intacto, veludo dos meus lábios vadios sobre a tua pele ainda quente. dorme bem, meu amor, num sonho que juntos nos conjugue como sempre...
.