esta noite a lama lenta da criação
o barro arouco moldado pela tuas mãos
o vento solto a cortar a memória
em lâminas agudas
lanças do tempo antigo
ferro forjado que os menesterais
fundiram em fogo e feridas...
átomo profundo dos meus seios
confluência e fusão nos lábios teus
ancas areadas nas palmas do desejo
flancos farpeados assim te almejo
esta noite os olhos teus
como faluas levadas pelos remos
são mendigos ternos pela doação maior
e, cordas tensas, os teus braços plenos
apertam a minha alma num soneto
justo ao corpo, como um tango
dançado nas veias, lânguido e louco
assim te almejo
para que venhas hoje
esta noite junto à minha pele
a ampla perdição posta num beijo
a pulsação que nos permeia
sentir que existes e me anseias
possuis de mim o fogo e o gelo
e és a presença que avança e se exalta
no arroubo de duas pombas exactas
em seus ninhos travessas
assim te almejo
murmurante na corrente de mais e mais desejo
à parte o mundo e nós no reverso do tempo
à parte o medo e nós na manta infindável
que trabalhamos com os dedos
à parte o sonho e a denúncia do real
a parte profusa e íntima da tua fala
à parte a ausência, há este lugar lendário
que não nos repete,
não nos esconjura, mas nos unifica num mapa de ternura
assim te almejo hoje
ao longe um realejo perdido na noite
e a memória dos tempos de ansiedade e magia pura...
boa noite, querido...