a tarde no deserto é cálida
lembra um rio que corre para dentro
inclina-se para o corpo
como lírio arrecado e deposto
no vaso de cristal da alma
vem a neblina a subir as dunas
traz a reclusão e a íntima verdade
que cerca as almas quando nuas
cercanias, a nossa fuga na tarde
em breve os corpus cegos se extravasam
fogo e neve fundidos num só alvo
e as bocas salvam o que não sabem dizer
e as mãos ressalvam o que não ousam ousar
e eu meu amor busco o teu contacto
sem saber se as tuas mãos me tacteiam
sem saber se os teus lábios se entreabrem
querendo que me cerques na neblina
que te ocultes e me ames lentamente
com o tempo todo que o deserto nos consente
habitantes que somos doutros reinos
estrelas do sul, Olimpo ou luzente
é do te olhar no meu que nasce o vento
é das tuas ancas que a volúpia vem
e do movimento ímpar dos teus rins
que o chuva virá razar terra outra vez
vagares meus velozes veias e marés
o deserto na voz, chuva no corpo
é de tardes como estas que nos vestimos
com a tua voz contida e a minha utopia aberta
é nestas tardes que o deserto nos desperta
e a vida se nos habita e nos acerca...