segunda-feira, 30 de junho de 2008

o veio do ouvido

temos de falar. um destes dias, a palavra reunida, o serão acutilante, um jogo de cartas, o trunfo do teu corpo, a nossa vida. escrevo-te de fora, da orla do ventre onde a palavra se constrói e parte para o teu peito. ouvir-me-ás nesta espécie de eco imperfeito, sou eu que arrecado as pérolas do dia e tas espalho no corpo. venho saber do teu silêncio, envolver-me nele contigo, ficarmos dentro, apertados num laço de apenas murmúrios e não questiono o teu nome, nem o teu tempo, só me interessa a fala que emana esse silêncio e onde crepita o teu corpo. temos de falar como falam as flores a meio do mês de Maio, no apogeu de seus estames. como dantes falávamos. devo ter-te perdido no meio do mundo e agora és mais dentro de mim, a intimidade que tenho minha e escolho dar-te. estás mais dentro e agora não preciso d efalar-te para falarmos. como um incubo que me ouve e me brinda, mas sempre de dentro, visão omnisciente de meus pensamentos e sentidos. mas temos de falar mais fora dos lábios, uma palavra mais audível, mesmo que a voz se nos transfigure de tanta emoção, ou medo. gostava que viesses de algum modo, de fora de mim, como gente, um sinal, uma flor atravessada na garganta, a verdade do teu hálito, o firme desejo do teu corpo. era preciso que falássemos, mas não deixes a chave, para que quero eu entrar numa porta sempre fechada, para que vou eu escrever por dentro o que a areia também me ressalva, se ainda por cima és tu que não usas a chave que te dei há tanto tempo... tudo se encontra no rumo da tua boca, nas palavras que prendem ao silêncio. a minha ternura é infinda e infinita. além, como aqui, tens da minha boca a lava, o lume, a lua, a rosa, a reunião de duas vidas, a minha que se te junta com a pronúncia que o amor me dita. mas diz-me que me esperas esta noite no relato do nosso corpo e que me envolves de toda a ternura que há no mundo, diz-me que nomes e fagulhas se aprestam nos teus lábios e eu desdobro o lençol que me faltava e num veio de palavras aprofundo a noite até onde a mina nos junta. precisamos de falar pela aorta, pela voz minuciosa do carinho, mais num limbo, mais numa estria fecunda, no sulco da pele, onde os sentidos do amor apenas nos conduzam. preciso de estar a sós com o teu corpo. mesmo que para isso tenha de me embrulhar no teu silêncio e ficar contigo a contar estrelas e momentos, cintilações do nosso mundo oculto, também gosto de te ter por dentro, pelo veio do ouvido, por isso temos de falar, mas não precisas de atravessar o mundo, diz-me em segredo o que te segreda mais fundo. agora quero apenas o refúgio aberto, a mole dos teus braços que me pressione para o peito, e me deixe ouvir o que o teu coração me tem dito e eu ainda não consegui entender...

boa noite, meu amor