em busca de um fio à meada, revolvo a diegese de cima abaixo e não encontro maneira de continuar a minha estória. a cena agora desmaiada apenas alguns técnicos a meio de um emaranhado de fios, não é clara para ninguém a luminotecnia da peça. algumas personas buscam os seus actores, outras aproveitam para recorrer à máscara e precipitam-se no abismo dos camarins. o espelho. o ponto pontifica falas e labialmente alinha o silêncio em que as diz. de resto, nada pervalece do guião original. sinto que a peça me foge das mãos em cada acto, talvez devesse evitar as entradas e saídas e permanecer na margem do guião, como uma indicação cénica de proveitosa utilidade, afinal toda a fala segue o registo que a boca inventa e só as indicações cénicas são precisas. a fala é uma espécie de nemesis em ante-estreia. os deuses coabitam a solidão que fica na boca, depois de cada cena, antes da nova entrada. o cenário afigura-se como a única coisa que conta e não desilude o público. em finos traços de ouro, a realidade representada parece insignificante, face à fieldade do desenho a sépia de um corpo à beira do crepúsculo. é uma mulher triste que vem à boca de cena verter uma lágrima virtual e a plateia aplaude com cartazes de frases feitas que a mulher recolhe decepcionada. reparo que sou parecida com aqueloutra mulher que atravessa o palco com um andar lento e leve quase franzino, como se voasse. vem de carmim vestida e parece transparente. apresso-me a vestir a sua pele e digo-me: a mulher de carmim. depois, nao sei como, a mulher começa a tomar forma dentro de mim. os traços são encruzilhadas, sei exactamente em que ponto da trama me urdi, sei exactamente quando me verti inteiramente na paisagem, a paisagem interior que me sai agora pelos olhos, a pele cada vez mais carmim, rubor talvez da porcelana quebrada. a paisagem interior sai-me pelos olhos crepusculares, é tarde, gostava que a mulher de carmim fosse menos transparente. e a cegueira? sim, a cegueira faz dela uma mulher triste. e assim, em cena fica apenas uma mulher que representa um papel triste vestida de carmim.