terça-feira, 10 de julho de 2007

fuga funda e lenta.

o quarto resume os corpos à exígua distância das paredes. entregamo-nos ao salitre, fresca flora para o corpo, um oásis na imensidão do calor estival. o vento assobia pelas frestas, um vento quente que só nos agonia e abafa. é assim que nos nasce a busca, nas mais dispares condições da natureza. terá de ser excessivamente belo o dia, ou excessivamente chuvoso, talvez excessivo de frieza, ventoso, seja, nós somos o extremo de nós próprios e em tudo nos extremamos. até na nudez do quarto, num bairro obscuro da medina adormecida, onde sabemos que nem a morte entra, com medo de alguma facada da vida. a um canto, contemplo-te esperando o teu olhar. ele me dirá o que de mim queres. gosto de te dar a pauta e depois, no fim ser eu a tocar. mas terás de ser sempre tu a despir-me com os olhos, ou a beijar-me com a alma. assim e só assim sei que me queres, de tal forma o teu mutismo, o teu mutismo, meu amor, me afasta e me ausenta do teu corpo. quando te vejo assim, desafio-te ou, estando muito cansada, renuncio-te. mas hoje o cansaço agudiza-me os sentidos, o vento ruge pedindo o xaile do teu peito, a protecção uterina, a mão de encontro ao ombro, virginal como um ramo de brancas flores. não sei, não sei, que te mergulha dentro de ti mesmo, que poço te alteia a voz para o eco da fuga. não sei como dizer-te que te conheço por fora, os gestos e as reacções, que sei exactamente como te entregas ao amor, e como lhe foges e como fugindo te lhe entregas mais. não sei onte te ausentas quando dizes que voltas sem teres sequer saído. esperas-me sentado olhando o chão de terracota, descobrindo os veias ocasionais da seca, mas eu sei que apenas esperas o meu gesto e eu vou. entrego-te o meu corpo para que o consumas como cal fresca e viva, calcino-me em mel ardente para te dar a beber as ânforas do meu corpo. cravas-me os dendes, onde podes, mergulhas no meu pescoço e o teu riso é para dentro, para onde te ris sem o consentimento dos músculos. profunda a inspiração com que me alças na tua pele. e o beijo, desta vez olhas-me com o brilho do beijo, a carícia luminosa e fulva que nada consegue impedir. a tua languidez. sinto-te na entrega. os teus olhos dizem-me da vontade imensa de me fundires dentro do teu sangue, apertas-me, tanto, eu gemo e choro e rio e quero mais do teu olhar, a líquida ternura, já tu me alças à tua cintura, choramos e esfregamos o sexos na agonia da saudade, tanto tempo a medina sem nós, o quarto em salitre abandonado, os corpos secos sem a porcelana azul do amor. tanto tempo nos desertámos sem sabermos o quanto urgentemente nos queremos no fundo das pupilas, no fundo dos corpos, na sinfonia húmida da pele, dentro a alma a doer de tanta alegria e a fuga funda e lenta para a parte mais profunda da nossa inocência. o vento aumenta, a febre cresce na medina. areias nos cobrem com a imortalidade dos espíritos da noite, somos sombras num tugúrio, rasamos florestas e mares de espera incontida, rumamos para as constelações do sul, tu gritas no fundo do eco, somos como feras nos ternos arrepios, nas unhas cravadas e assim nos vamos onde mais a carne nos recolhe aos ossos. e em breve, sepultados na areia, voltamos ao estado líquido de corpos exaustos e exangues de tanta vida ...
Boa noite!!!