sábado, 9 de junho de 2007

manhã possível


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colho na minha mão a manhã possível
o cheiro do café fresco lembra caravelas
lugares distantes
esplanadas projectadas ao mar em frente

arregimento à minha volta a vida simples
jardins secretos da minha infância
um sol ardente preso na garganta
como se a voz me ardesse de
tanta neve em esperança

espanto as teias os teares desalojados
nestas longas tranças de centeio
deuses desenham meus velhos fados
ignoro-os, os deuses moram
só nos lugares desabitados

abro as janelas às nuvens viandantes
sorrio aos prédios em frente
tudo é possível na imensidão deste instante

o meu mundo está igual
nada mudou no meu presente
sou a palavra que invento e o amor que
a sustenta
as manhãs primordiais apenas nos concertam
o olhar que se perdeu nalgum deserto,
nalgum paraíso distante
inalcansável luz que a noite acresce
quando a sépia uma margarida desfalece

ah, se não fossem as manhãs
como poderia eu renascer na branca veste
vestir-me de nuvem ou de flor celeste
renovar as asas rubras rente à sede
reacender a água da nescente e beber
beber o sonho acre e doce docemente
e soltar a vária ventania de viver?

só nas manhãs me amanheço
e trago ao lume do dia
o simples e terno acontecer
da simplicidade em flor
sal e seiva e sol o selo do amor
na pele - a semântica do Ser.