segunda-feira, 28 de maio de 2007

deserto com lírio dentro





digo alguns sons sem métrica alguma
ou valor preciso na boca de um poço
um poço em forma de poema

espiral vertical e eco de cisterna
o som assoma e o espelho perturbado
das águas chama

são sons de malva e de placenta
sons de vida e de leve pluma
sons adivinhados sem melodia alguma

o roçar de um voz na outra, que sopra
uma pétala que apraz e se encosta noutra?

a brisa que passa e beija, o que é
na economia cega de um molho de palavras
a que se convenciona chamar poema?

a aresta imprecisa de um lugar no deserto
onde somos a chama e o vento
e ardemos sós no vazio de cada momento

que som será esse que nos acata
sons de silvos e de areias movediças
no estreito rochoso da garganta

de que serve dizer que ouço o vento
se não há palavra que me não minta
das coisas que o vento canta?

ah, areias dos meus dias de antas!
o meu deserto tem um lírio dentro
que lividamente me adorna e me mata
em cada tarde que me nasce infanta
e me morre de oiro coroada...