domingo, 15 de abril de 2007

carta por abrir


Uma carta por abrir, o amor, sabes, é uma carta por abrir. Esta ficou talvez esquecida em cima da mesa, o quarto então não tinha sequer mesa, talvez tenha ficado sob o sofá amarrotada no amor que não chegámos a fazer, embrenhados na esgrima das palavras. Ah meu amor, tu sabes bem por que me pisam por vezes as palavras e acabo por pisar-te com elas como se pisa um jardim intencionalmente, apenas porque não há espaço para os pés... busco-te porque te sinto e quando chove a emoção não sei que ouço que me faz ouvir que ouço não sei o quê de ti porque nunca vejo dos teus lábios a profecia que possas proferir. Por isso lavram-se centelhas de palavras que nenhum dos dois parece entender. Eu cega em nós de palavras, na cegueira de amar ainda me cego na própria metacognisciência vagamente aplicada a ti. Nunca sei que flores piso ou colho no teu jardim, talvez não esteja indicado e se estiver talvez o jardim não seja o teu.

Hoje quebro se não te digo já desajeitadamente, eu que sou tão dada a rendilhados queria hoje encontrar apenas palavras, absolutamente palavras e simples, para te dizer que sem ti nos meus dias, as manhãs não têm sabor, os momentos são luzes apagadas, as noites camas de dormir apenas. Sem a malícia do teu olhar o meu corpo não respira, o desejo morre ao dobrar a esquina, a vontade de rir sacode-me apenas a pele, nunca os rins ou o estômago. E eu fico só com a tua presença, sem saber que lhe fazer, tão perto da tua ausência que há momentos em que te consigo materializar perto de mim, tão perto da tua presença que te sinto apertado a mim.

E esbracejo sim, à tona da água mal respiro se não te vejo, e sou tonta, sim, escrevo versos altivos e não parto, não. Permaneço na dor de ser a última a partir a fronteira. E assim hoje mais uma vez o quarto nos estremece de murmúrios soltos, atribuladas falas que as ávidas paredes gravam para memória. E o meu amor por ti mereceia um colete à prova de balas, um quarto insonorizado, uma janela de persianas daquelas que deixam passar o sol, sem desbaratar os sons íntimos da fala. O nosso amor merecia melhores tempos, mas são estes que nos restaram.

O amor merecia uma redoma, um carrocel, uma baioneta, uma caravela de papel, algo como um perfeito círculo, ou um tubo, onde olhos nenhuns estreitassem os abraços que se guardam. Podia-se gritar dentro do círculo, escrever nas paredes e nos corpos ternas palavras aos molhos e por fim podía-se fazer amor e o círculo era o próprio amor. Agora que te abri a carta queres devolver o amor ao remetente, talvez na caixa postal dos sonhos?
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Boa noite...