era preciso falar dos eclipses diurnos e das aparições súbitas consonantes por vezes nos mesmos pontos cardeais. tu entras no meu dia como uma chuva de flores ausentes, por vezes visceralmente próximas. tudo se suspende, a realidade encrespada torna-se onda onde tudo apetece, até o dever. dá-me flores a comer, alimenta-me o corpo e os olhos que se cansam pela vida a ver vagamente o inválido mundo. enche as minhas manhãs de palavras tecidas com a tremura do olhar, palavras a revolver a alma, sulcos, sementeiras, caligrafia, palavras em jejum, palavras sopradas até à dimensão de malas de viajar, barcos de seguir até onde nos queremos, ilhas de papel próximas da pele, o corpo maduramente mudo e expectante entre o toque e a imponderabilidade do espaço entre. ah, sim, hoje é sempre, agora é logo e depois mais tarde, será também agora, o momento em que me prendes e te prendo, fica, a tua mão, fica comigo, a tua mão não mente. tu não abriste casualmente a manhã, vieste rasgar-te em bocados pelos espinhos da distância e ficaste assim unido no meu peito, não partas já, este encontro é a casualidade dos dias, sol e lua momentaneamente na mesma órbita, dentro do mesmo azul, por pouco tempo, eu irei em breve para o cumprimento do mundo, tu não ficarás por muito mais, em cada manhã um está, outro não, à noite está outro, talvez só, o outro não e depois entrevemo-nos tarde na noite, a busca errática, breve e efémera, chegar e partir, amar e seguir, porque a noite eterna só nos dura um instante. por isso o encontro celebra-se, o agora, o sempre, estamos, estou, prende-me.
Bom dia!