o dia arrastou-se embebido em trabalho, nada como uma rotina impecavelmente certa e cumprida para esquecer a dor das costas, a noite em claro, o sonho incompleto. chegar à boca da noite com um enorme parênteses em aberto, uma noite livre para cumprir em branco, no prazer do ócio azul, em casa no quentinho da cama e não numa fria sala de aula. os lençóis lavados, o deslizar sedoso, um corpo a corpo com o bem-estar, esta noite decido que vou dedicar-me a esticar o sonho que não me chegou a acabar, amasso e estico a massa, os sonhos nunca terminam, sempre acabam num ponto culminante, se algum dia um sonho for até ao fim, como num romance cor de rosa, o sonho terá sido verdade? a fuga dos sonhos antes da sua própria morte será uma forma de guardar mais e mais tesouros por esgotar? procuro o tesouro de ontem, preciso de to contar para que então também lá tenhas estado, como de facto estiveste. talvez assim hoje compareças no meu cenário onírico, e este fique mesmo ao lado do teu e com as mesmas cores. como se fosse possível encomendar um sonho, determinar o sonho que queremos ter. mas mesmo assim eu vou, voltarei ao tempo sem rosto, às casas estranhas em sopés de montanhas irresolutas a meio dos seus cumes vazios. casas de madeira cozida ao sol, cinzentos pardieiros e depois ao longe uma casa ao pé do astro. claro e nítido à luz do dia, o meu sonho foste tu, tu numa casa no alto da montanha, a estrutura difusa escavada na própria terra, mas laminarmente erecta e grandiosa. não havia bruma, mas apenas o sol do pino do Verão, tudo perfeito e claramente nítido e eu numa escalada corada, a colher flores com a minha bela infanta de voluntariosas voltas. a casa a aproximar-se e ela que corre, o perigo da casa, chamei-a, a casa era cortada por uma estrada e havia sempre carros e pessoas a atravessar-te. eu também corro para lá, sem saber que de repente numa porta lá estás tu. a tua pessoa firme e augusta sobre a escada. tu? lembro-me de olhar em volta e de estender a mão para a pousar na tua, um gesto rápido e espontâneo que tenciona ser apenas isso, uma mão que prende outra, um toque de peles, a tentação da tua mão, prendia-a, gostámos, apertámo-nos através da mão, transferimo-nos para as mãos, sangue e pele e sulcos desenhados nas mãos e foi então que eu te puxei a mim, ou tu a mim, ou ambos ao mesmo tempo e nos beijámos, apertados um no outro, naquela inevitável volta do parafuso, e logo apartados, havia gente em redor, há sempre gente a percorrer os meus sonhos, sem deixa no palco vazio, tu apenas murmuraste, no que me chegou envolto em papel de lustro agudizante, algo como um lamento de impotência, "e agora, no que eu me fui meter", mas os teus olhos desmentiam e vibravam na distância cada vez maior, afinal eram já horas de me entecipar ao despertador e tu foste ficando cada vez mais longe no cimo da escada, no alto da montanha, na casa escavada na terra a murmurar baixinho palavras que ficavam intrincheiradas no vento e eu perplexa com a inversa realidade de um sonho amanhecido e tudo não demorou mais de 2 minutos.
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Uma noite de muitos e prazenteiros sonhos!
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Uma noite de muitos e prazenteiros sonhos!