quinta-feira, 29 de março de 2007

devaneio da tarde

Botticelli "O nascimento de Vénus"


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quando a tarde sabe a feno
e a febre sobe no pomar
é que eu me deito no silêncio dos umbrais
.
entre o musgo dos teus braços
e a camisa do céu entreaberta
deixo que a enchada desça à terra
e o tempo morra entre as vogais

são horas humildes maduras sestas
na horta ondulante tudo cresta,
mondo o teu corpo mordo sem pressa
as raízes tensas da floresta
é Vénus que nasce entre a flora
em festa
.
orvalhadamente a erva traz à boca
o mel da flor que se conteve e espera
pela aspiração profunda da entrega
.
tarde no corpo entardecidamente
a volúpia é seara e sol nos sentidos
em verso o sumo e a seiva
sorvem os ávidos gemidos
.
na sóbria murta ordeno a saia
aliso o seio queimam-se as vozes
a tarde rouba a Vénus os cabelos
e o fogo arde transversal pelos canteiros