quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

às vezes escrevo cartas nas ondas que penso à deriva da tarde ou do momento, quando este for. não as registo, porque perderiam tudo que as suporta e pertence ao pensamento em estado puro, o sal que autentica as palavras.  gostava de te escrever mais cartas destas, algumas gostava de as armar, conexas e  coerentes, para se afirmarem mar adentro ao teu encontro. mas entre o momento das palavras e o momento do registo algo se processa que as despe do brilho original e as torna carentes e pias, frágeis, na grandiosidade visada. ficam apenas estes verbos ergativos, sem mais saída que a de registarem ocorrências. Digo que ando, sorrio, corro, passeio, até posso voar e dizer da curvatura do céu, mas não há inacusatividade nas frases que passam ao papel. As que me vêm à boca sem passar da garganta trazem argumentos externos bem claros, um objecto directo, ou indirecto e sempre um sujeito, um nominativo que pressupõe um reconhecimento. eu. e tu. no dia em que conseguir ser como penso, saberei escrever cartas de amor. não raro me sucede também absorver para dentro os adjectivos, os diminutivos e as frases expressivas que se formam no meu pensamento. engulo-as. assentam-me e no estômago, como uma bebida quente, gim, ou rum, que confortam e roem, como tantas vezes o silêncio.