domingo, 18 de outubro de 2009

as páginas que guardas brancas

Esta noite está estival e é de lua
e... tão madura e fresca me ondeia a brisa
que fico na janela presa,
tal marinha onda e levantada
por um momento frágil, nua
e apaixonada

rolo este terço que me corrói os dedos
é feito de pedras cruas
quero passá-lo pelas horas
como outrora te fazia

mas esta fera que me assoma
é mansa e represada

se não falasses,
também eu não (te) falava

quando o sangue nos acata
o movimento
e a palavra
é porque a vida nos prendeu
nas suas garras feridas

e assim, enquanto parto
e me demovo
de me obscurecer na distância
fico na esperança de que me fales
das coisas de antes
das tuas estórias da infância
das páginas que guardas brancas

podemos deixar que um barco nos atravesse
ou uma lança
e nada sentimos: tristes nos vamos
depois de juntarmos juntos
um quinhão de esperança

eu deixo que a corrente
que é tão leda e tão cortante
me leve assim: quase não dói;
aprendo o caminho da montanha
para lá iremos, como os velhos

junto aos espíritos
somos leves, quase não voamos
apenas uma paz revigorante
um fumo que se ergue
já aves distantes
o amor é como a morte
quando vem, é etéreo e grande...

mas meu amor, eu já te disse
tu és o verbo e a última consoante
partir assim tão lentamente
é também uma forma de levar-te

nos meus lábios, na minha sede
na forma rugosa dos dedos
como se sonhando, tivesses
sido verdade
e o sonho existisse realmente...

Ah, como gostava de calar com beijos
os angulosos riscos, as rudes rugas
os lacónicos lamentos: mas tu e eu
somos distância
que se estreita em sal e em segredo...