sexta-feira, 25 de julho de 2008

areia fina


vejo-te muito pouco ultimamente. dantes passavas na esquina do deserto e acenavas-me um beijo de longe, não fosse o mundo desvendar-nos a loucura. mas chegava-me aos lábios e não sabia a pétalas de rosa, como sabem os de hoje. eram beijos de homem, inoculados de paixão e saliva, beijos que vinham ao ventre como ventosas e nos rasgavam as ancas de dor e paixão. dantes as glândulas do meu corpo produziam gumes na voz e comisuras no sorriso que ríamos em conjunto como dois pardais estonteados a cuidar do ninho. gostava que tu fosses ainda tu, que não me tivesses deixado para trás letárgica de tanto silêncio, como se deixa para trás a cereja serôdia num ginjal de raparigas. queria ainda a virilidade do teu pulso, a vasta lã do teu corpo, a fresca maçã que me ocultas na adaga do músculo. gostava mesmo de te apetecer de novo, como nos apetece a água pelo corpo, nestas noites noivas do estio e do ar de fogo. o mundo hoje calou-se cedo, na aldeia nem um lamento de ave, nem o rutilar de um insecto, grilos e cigarras tolhidos na aragem que não mexe. hoje queria o relento sobre a pele e a tua língua navegante em vela de me encher o ventre. talvez como dantes, sei lá, ou como sempre, ou como nunca, como só tu nas minhas mãos sentes, como só eu pelas tuas sinto. guiam-me os teus olhos no meu corpo, se lhes adivinho a sede de penetrar o plasma, este espelho de água presa que nos alinha no lugar contrário ao da vida. imagino-te tenso na noite abrigado do calor numa cama vizinha da janela. há um cortinado que te ondeia o corpo. e eu na minha camisa de crepe azul com o corpete em seda e rosas debruadas, os seios repartidos, morenas fontes que me bebes... quadro perfeito o nosso. e não me digas que é sonho, porque eu já não quero sonhar, nem quero a transparência diáfana das musas sumidas de intocáveis. brandeia-me os membros, amansa-me a pele e a vontade que trago arredia e hirsuta, de tanto infinito me rogares, mas acena-me quando me vieres cobiçar a palavra e o voto, o vagar do corpo e a volúpia que me morde o ventre pelas tardes vagarosas deste estio que trago dentro.