quarta-feira, 18 de junho de 2008

o tempo de sentir


Um dia descobrimos por acaso um novo tempo. Não nos precipita para dentro de nós, nem para fora, não passa sequer pela medida aprazada de segundos e minutos, ou por uma ampulheta de areia, é mais um tempo que vive oculto na areia, na placidez de um lagarto ao sol. É o tempo que é lapso, inconsciência de nós, demos por estar onde estivemos, mas na verdade o tempo submergiu-nos na sua abstracção. Pode ter sido neste sábado a primeira vez, ou talvez já se tenha manifestado antes e não soube dar-lhe nome. Uma ausência de mim, um desprendimento das coisas, quase inércia, diria mesmo indiferença se não fosse importante aquele distanciamento, quase vital até. Respirava cada árvore e cada agitação dos ramos, mas na verdade não sentia nada, apenas o excesso de oxigénio, o pulsar do sangue e o silêncio. Estava na serra e fiquei dentro do carro, não consegui sequer mover-me. Talvez tenha dormitado, talvez tenha distanciado os sentidos da realidade, mas vi, terão sido duas vezes, ou senti, um rosto de criança a olhar-me de fora do carro. E não havia ninguém por perto. Tentei ir mais longe, abstrair-me de novo, perder-me de mim, entrar nesse mundo de sensações que me visitou, talvez por duas vezes. Mas já era eu de novo, mera e factual, com o meu tempo presente parado no colo de uma vida banal arregimentada por minutos e segundos, entre árvores e sombras. Queria voltar a sair de mim. Ouvir o outro tempo. O que não me pertence. O que não conheço. Estou cansada do tempo banal. Um dia descobrimos um outro tempo parado nos olhos e então nada tem muito importância. E somos até capazes de sentir o que o rumor da mundo não traz ao nosso tempo. O tempo de sentir.