terça-feira, 4 de dezembro de 2007

calçar a ternura

calço a tua ternura delicadamente traço um traço na noite e despudorizo o soalho sublevando o silêncio, ah, o quanto dormem nas tuas mãos as minhas pálpebras, o quanto leves sinto as tuas asas e planas tu planas sobre mim, e não me alcanças, a não ser com o gesto que luz ao longe. desfazes-me contra ti, ah como me desfaz a lantejoula que te brilha na íris profunda dos olhos. o tacto das tuas palavras, são luvas leves e inefáveis, sei lá se no mundo seria mais feliz, talvez me sonegasses os olhos, ou me renunciasses o corpo ou me desintegrasses com os teus beijos. talvez chegasse a casa e me roçasse pelo teu umbral, colada a ti de ilhós desatado para te desinquietar, ou podia mesmo escapar-te, semeando luxúria pela casa para que me seguisses até onde te queria. a sentir que só naqueles momentos eras realmente meu, quando te passava nua pelo desejo, à boca da noite ou quando fosse, talvez até fizéssemos amor o dia inteiro, de cada vez que abríssemos o frigorífico, para constatar a nudez dos objectos, a sua irealidade, face ao real que encorpávamos. gosto desta nossa vida simples, sem artifícios ou lustres pendurados nas orelhas, tu reinas-me como um monarca reina por direito o seu reino. a minha realidade desembarca em ti a prumo a toda a hora, tanto que tu começaste a ser a minha realidade, vivida por dentro como um apeadeiro ocasional dos minutos em que me ocorres. e cocorres-me tanto, que todos os objectos e paisagens são outras existências de ti...
(lapso de sonoooo, desculpa)
ah, que não faríamos hoje da carne tensa, que arranjo não daríamos a esta osmosse, como penetraríamos surdos na zona meiga da noite em bicos de ternas vozes para não acordarmos ninguém no mundo. tu arvoravas razões para me toucares flamenga e ruiva num quadro renacentista de sorriso enigmático, havias até de me pintar com a tua boca, harpas viriam seduzir-nos, loucas palavras aos meus ouvidos, anda cá, dirias e eu ia, tão contente de te subir ao regresso enfim a nós, ah, meu amor, se não pode ser a sanha alegre do que queria, amemo-nos reais e presentes como sombras ao meio-dia, ou a pique à meia-noite, pois que maior realidade pode haver do que duas pessoas ouvirem junto as o mesmo silêncio?